quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Resenha do artigo: As Redes Sociais, O Sistema de Dádiva e o Paradoxo Sociológico

Autor: Paulo Henrique Martins
Resenha: Camila Teixeira Lima

O texto intitulado As redes Sociais, O sistema de Dádiva e o Paradoxo sociológico de Paulo Henrique Martins (2008), presente no livro “Redes Sociais e Saúde: Novas Possibilidades Teóricas”, organizado pelo autor desse texto e Breno Fontes; tem o intuito de destacar a relação entre redes sociais, complexidade e Teoria da Dádiva. Para tal, Martins explana as idéias de autores clássicos da sociologia: Durkheim, Mauss e Elias, demonstrando a contribuição desses para entender a complexidade da teoria social por meio da prática.

Na parte introdutória do seu texto, intitulada Principio do Paradoxo e a Reformulação da Teoria Sociológica, o autor explana a importância das redes sociais para se compreender a complexidade da própria vida social. Principalmente nos tempos presentes, nos quais a sociedade civil mundial exige respostas políticas locais, rápidas e eficazes, para assegurar a ampliação dos direitos de gozo da cidadania (Martins, 2008: 21). Além disso, as redes sociais interessam grupos de intelectuais e técnicos com o intuito de descentralizar áreas estratégicas – como a da saúde - para provocar a emancipação de experiências das esferas públicas e democráticas. Assim, as redes sociais permitem o avanço de programas territorializados que consente a força associativa entre os indivíduos para se explicar os movimentos coletivos.

Para se compreender a complexidade da teoria social – o que demonstra a importância das redes sociais - o autor se desprende da própria nomenclatura de redes sociais e enfatiza que o social não pode ser traduzido ou por uma visão utilitarista da liberdade individual ou por meio da obrigação coletiva. Essa visão dualista e estática evidencia esses opostos como contraditórios e polares da realidade social, quando na verdade a vida social manifesta um caráter dinâmico. A tentativa de congelamento de um dos pontos de circulação da vida social certamente facilita a aplicação de métodos estatísticos, por passar a idéia da presença de conjuntos causalmente ordenados e homogeneizados, mas termina gerando distorções sobre o caráter de algo, a vida social, essencialmente movente e caótica. (Martins, 2008:23). Segundo o autor, obrigação e liberdade são elementos de um paradoxo e o seu princípio permite superar as construções dicotômicas e simplificadas – o olhar desvia das polaridades para se mover sobre a interatividade e o dinamismo da vida social.

O debate dado à Teoria de Redes Sociais passa por mudanças metodológicas; não mais a procura de certezas estatísticas por meio de atuações individuais ou coletivas por uma racionalidade instrumental, mas pelas probabilidades diversas da ação social. Não existe apenas um modelo de ordem social.
No segundo momento do artigo chamado As Redes Sociais Como Dilema Teórico, Martins problematiza a questão sobre as redes questionando o papel da mesma:

Trata-se a rede social de um sistema de ação social produzido por uma articulação racional e desejada entre atores sociais individuais envolvidos com um fenômeno social em foco ou, diferentemente, a rede social tem a ver com o sistema complexo supra-individual, diferente dos indivíduos que dela fazem parte, impondo-se sobre os valores individuais? (MARTINS, 2008:28)

A partir de dado questionamento, o autor mostra como essa polarização faz com as redes percam o caráter inovador e reafirmem os mecanismos de explicações tradicionais da ação social: a dualidade entre indivíduo e sociedade. O autor reafirma a idéia de que as redes sociais – vista do ponto de vista do princípio do paradoxo – não reduzem ação e estrutura a categorias opostas, mas como meios constituintes de uma circulação constante de troca.

CONTIBUIÇÕES DE DURKHEIM, MAUSS E ELIAS:

Embora a contribuição desses teóricos não seja diretamente relacionada à idéia de rede – exceto Elias, que possui um direcionamento ao tema mais explicito – suas teorias deram subsídios que contribuem para a superação da dualidade entre individuo e sociedade, abrindo espaço para se pensar redes sociais sob um aspecto inovador.

Em um primeiro momento, Martins esboça a importância de Durkheim ao integrar a idéia de Totalidade e de que o todo tem uma preponderância sobre as partes. E embora o autor alerte de que a intenção de Durkheim não era renegar o fato individual a partir do fato social, mas de criticar o individualismo utilitarista que impedia a compreensão da complexidade funcional da sociedade, ele demonstra que a contribuição durkheimiana é incompleta, pois o esquema da obrigação coletiva acabou por reforçar o esquema dual de análise da realidade social. Assim, a contribuição do Clássico foi fundamental devido a crítica antiutilitarista – renegando a idéia de que o racionalismo individual seria a única forma de expressão da razão; mas insuficiente por não se integrar ao princípio do paradoxo. O todo – sociedade - é maior que as partes –indivíduos- (...) mas suas partes – indivíduos - constituem também uma totalidade racional e autonomizante em si mesma, com características diversas da totalidade maior - a sociedade. (Martins, 2008: 35)

Em um segundo momento, Martins ilustra a idéia de Mauss, que foi além da contribuição durkheimiana, por superar os dilemas dos clássicos expondo a idéia de sociedade como fato social total - por meio da teoria de reciprocidades não simétricas, Teoria da Dádiva. Para Mauss, há uma obrigação social coletiva que se impõe sobre as diferenças individuais, mas essas diferenças individuais contêm o embrião da totalidade, nesse sentido há um princípio de liberdade individual em sua teoria. A partir disso, Mauss mostra que embora o todo seja maior que a parte, a parte é também uma totalidade complexa. Afirma isso por meio da valorização do símbolo, o que mostra que o indivíduo e o social não são dimensões opostas, mas são dimensões paralelas que se regulam. O enfoque de Mauss sobre o símbolo se articula claramente com o Sistema de Dádiva, quando o símbolo se identifica com o princípio do dom (Dar, Receber e Retribuir). As bases das trocas sociais não são apenas de caráter material ou econômico, mas, sobretudo simbólicas, isto é, não redutíveis apenas aos aspectos materiais ou aos valores utilitaristas baseados nos cálculos, necessidades e preferências. (Martins, 2008: 36)

Com o terceiro momento, em que o autor explana a teoria de Elias e a ligação destas com a idéia de sociedade como rede, Martins conclui a importância e a contribuição dos clássicos ao tema. A contribuição de Elias é fundamental para a compreensão de que a sociedade não pode ser explicada/resumida nem por meio de uma concepção liberal, que o todo seria a soma de indivíduos - nem por meio de uma visão imperialista coercitiva, a sociedade como uma totalidade irredutível as partes. Segundo Elias, a sociedade só existe e continua a funcionar por que muitas pessoas isoladas se articulam e agem para que isso aconteça - embora as ações desses indivíduos estejam dentro dos limites das estruturas sociais, dentro de uma liberdade total. Indivíduos e Sociedade se articulam por meio de dependência, redes de função, interdependência de forma constante. Assim, Elias vai contribuir de forma definitiva o entendimento das redes sociais ao demonstrar essas como uma forma dinâmica para se explicar as relações sociais.

CONCLUSÃO

A idéia de Rede articulada ao princípio do paradoxo sugere a possibilidade de uma maior democratização. Godbolt reafirma essa concepção a partir do momento em que ele percebe as redes como processos de regulação que se dirigem a um conjunto de membros, ou seja, a idéia de rede ligada à definição de autoreguladoras. Paulo Martins conclui na parte final de seu artigo, nomeada Dádiva e Rede Social: Perspectivas Teóricas e Políticas, a importância de se articular a idéia de redes sociais e a Teoria da Dádiva para compreender a complexidade da vida social e os movimentos ininterruptos das ligações entre parte e todo. Essa articulação mostra como a teoria de redes se apresenta de forma estratégica para as sociedades orgânicas cujas mobilizações por cidadania ultrapassam as esferas econômicas do mercado e da renda estatal. Apenas pela integração de uma visão sistêmica, paradoxal e interativa da vida comunitária e local, pode-se, pois, pensar novas modalidades de políticas públicas que sejam mais eficazes e interativas, respondendo às exigências de participação e de reflexividade da sociedade civil mundializada e regionalmente localizada. (Martins, 2008: 44).

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